Ernesto Lopes Nunes, de Espadaneira (Coimbra), é o vencedor do Concurso de Contos de Natal promovido pelo jornal Região do Castelo, com o conto "Natal de 2010" (que publicamos na íntegra na edição n.º 57 do Região do Castelo). O júri, composto por Palmira Pedro (presidente), Anabela Teixeira, Manuel Augusto Rodrigues e Maria do Céu Pereira decidiu ainda atribuir uma menção honrosa ao conto escrito por Isabel Santinho (de Penela). Os prémios serão entregues no decorrer da II Gala Região do Castelo/Penela Center, marcada para 15 de Janeiro próximo. O Região do Castelo agradece e parabeniza a participação dos onze autores que apresentaram contos a concurso.
Natal de 2010
Chegara a grande noite.
Sentados à volta da mesa, quase imóveis, olhavam-se os três em completo silêncio, pois tudo já fora dito – nada mais havia a acrescentar.
Esperavam a hora da ceia, que sabiam não existir, aguardando a chegada da meia-noite, sem saber bem porquê, apenas, talvez, porque sempre assim se fizera, num hábito enraizado de longos anos. Desta feita, contudo, – e pela primeira vez –, a lareira não exibiria as vistosas embalagens contendo as prendas deixadas pelo Menino Jesus…
A crise batera-lhes à porta da maneira mais cruel. A fábrica, onde o casal trabalhava, cessara a laboração e, esgotadas as escassas economias e as ajudas legais e oficiais, não conseguindo nenhum deles o almejado trabalho, sem mais família ou amigos a quem recorrer, restava-lhes a casa onde habitavam, com muitas prestações por pagar… Positivamente, ignoravam o que seria o dia de amanhã, sentindo o coração cada vez mais apertado, sobretudo por o filhote contar
somente dez anos e tanto necessitar ainda de ser criado e educado.Apesar de tudo, porém, mantinham-se firmes e fortes na sua Fé em Deus e no Amor bem sincero e profundo que os três unia, e, até, no gosto que ambos tinham pela Poesia, de que eram verdadeiros apaixonados. Formavam, na realidade, uma sólida muralha que a tempestade e as vicissitudes da vida dificilmente abateria.
Em seus pensamentos, ele lembrava outros Natais, mais felizes e de casa mais cheia. O de há dez anos, por exemplo, quando o filho estava prestes a nascer, e ele resolvera ir à rua pedir a um pobre mendigo, sem qualquer família e sem abrigo, que passava os dias ali perto, estendendo a mão à caridade, para lhes vir fazer companhia. Primeiro, receoso ou envergonhado, recusara, mas, depois, ante a insistência:
- Venha, Amigo! Faça-nos esse grande favor. A nossa casa não é rica, mas há pão e muito carinho para lhe dar. E olhe que nós é que ficamos a ganhar, porque:
Pão, Amor, Paz e Carinho
- Não tem nada que saber –
Nem que seja um bocadinho,
Vale dar mais que receber.
- Está bem, se o senhor assim quer, eu vou! – respondeu ele, por fim. Mas não quis lá dormir, passar a noite. Para tanto não houve argumentos que o fizessem demover. E como fora feliz esse Natal de encantamento, ouvindo-o, de olhos chorosos, dizer da sua alegria pelas horas vividas com pessoas tão amigas e generosas!
Entretanto, ela pensava, de certo modo confortando-se, nos muitos milhares de infelizes que estariam, algures, por esse mundo fora, àquela mesma hora, passando muito pior do que eles. E como a vida era ingrata e injusta:
Anda o Mundo em desatino
Em busca de ouro e prata,
E tanto pobre menino
Vivendo em bairro de lata.
Subitamente, as recordações de ambos foram interrompidas. O toque estridente da campainha da porta fez-se ouvir no meio daquele pesado silêncio, deixando-os surpresos e intrigados.
- Quem será a esta hora?!... – perguntaram-se.
Ele levantou-se e foi abrir.
Soou a voz de um homem e, logo depois de curto diálogo, o visitante, ricamente vestido, de sobretudo e chapéu na cabeça, trazendo consigo três vistosos pacotes, unidos por coloridas fitas e laços, entrou na sala e disse apenas:
- Boa noite! Dão-me a alegria, este ano, de ser eu a beneficiar da felicidade de dar?…
Ernesto Lopes Nunes
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