Escrevo-te
estas linhas naquele dia que (quase sempre) passávamos juntos – bastava
levar-te um bolo daqueles saborosos e farfalhudos para ver a tua cara de boa
disposição. Neste dia para quem poderiam ser as minhas linhas a não ser para
ti?
Estamos na
azáfama de fechar mais uma edição do Região do Castelo, tarefa trabalhosa mas
de igual modo aliciante e gratificante. O jornal lá vai indo, bem distante das
dificuldades que tão de perto acompanhaste – bem sabes que é sobretudo por
Penela que o mantenho, bem como por esta paixão pelo jornalismo que me conheces
desde muito novo. Chagámos à edição n.º 100, marco de um percurso difícil e de
muita luta e persistência. Eu sei que festejaste – ouvi-te! Festejaste mais que
alguns Penelenses? Acredito, mas é a vida…
Terás
estranhado a forma como te cumprimentei. Com ousadia, utilizei as mesmas
palavras com que o novo Papa saudou o mundo. Sim, temos um novo Papa, um homem
calmo, tranquilo e bem disposto, despojado de bens materiais, e que traz uma
nova esperança a este planeta onde muito poucos continuam a querer só para si o
que deveria ser de todos. Irias adorar o seu discurso simples, o seu sorriso
tranquilo, as suas palavras de fé e esperança, o seu convite à oração e ao
perdão. Bem, esqueço-me que onde estás já saberás certamente quem é este Papa
Francisco, que disse querer “uma igreja pobre e para os pobres”.
Pobre está
este Portugal onde nasceste e viveste. Desemprego, fome, miséria. Partidos à
parte, a situação traz-me à memória as acaloradas discussões sobre o
primeiro-ministro de então, que tu defendias e eu “atacava”. Com a tua
experiência vivida, talvez pressentisses que o pior ainda estava para vir…
O atual
“primeiro” herdou uma situação muito difícil, é certo, que já vem mais ou menos
do ano em que partiste - sim, há mais de três anos que vozes pouco ouvidas
alertavam para os perigos que corriam as contas públicas portuguesas. Mas se há
medidas que, mesmo penalizadoras, acabam por receber a concordância do Povo,
ciente de que há que arrepiar caminho para corrigir erros passados, outras
chocam pela incoerência e pela insensibilidade. E por estarem sempre a favor
dos mais poderosos. Ficarias triste, se cá estivesses, por constatar que há
crianças privadas de alimentação, sentindo a mesma fome que no “teu tempo” tu e
muitos da tua geração também sentiram. Sim, eu sei que sentado no teu sofá, em
frente ao televisor, já lhes terias dito das boas…
Um dado
positivo, que também os há, e para que fiques ciente que cuidamos da tua Amélia
e de uma forma geral de todos os idosos e idosas: as famílias portuguesas são
as que mais cuidam em suas casas de idosos dependentes – se calhar sabes tão
bem como eu que, lido à letra, se trata de um estudo que aponta mais aspetos negativos
que positivos, mas ainda assim falo-te pelo melhor prisma. Porque, apesar de
tudo, somos um povo apegado a valores e laços que nunca deveriam ser quebrados.
Como diz o ministro Vítor Gaspar, somos o melhor povo do mundo. Não sabes quem
é esse Gaspar? Como te hei de explicar… Terei de recuar muitos anos para
encontrar alguém parecido. O Robin dos Bosques? Não, Pai! Então esse tirava aos
ricos para dar aos pobres! Ah, estavas a brincar… E afinal sabes tudo o que se
passa cá em baixo? Ainda bem! Quero-te aqui!
Buona Sera,
meu Pai!
António
José Ferreira
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